sábado, novembro 14, 2009

Eufeminismo Tântrico

Sentados defronte um do outro, inspirando fracção a fracção da massa de ar que nos rodeia, sincronizamos a oxigenação da nossa existência. Vivemos na mesma frequência. Eu e tu unos numa abstracção mental. Os nossos ciclos respiratórios sucedem-se calmamente rítmicos. Sinto a minha caixa torácica a aumentar, o ar a navegar até se dividir em duas partes, invadindo-me simultaneamente os pulmões. Aguardo o tempo necessário para sorver deste ar que partilhamos esse elemento que sustém a vida. Vou-me repetindo sem prestar contas ao tempo. Neste espaço forçado pelas nossas vontades, o tempo não é prenúncio fatalista da mortalidade. Expiro devagar esse ar agora empobrecido. Sem pressas, vou tomando cada vez mais claro conhecimento da fisiologia do meu sistema respiratório. Por meio do meu sistema proprioceptivo, vou reconhecendo as partes do meu corpo recentemente relaxadas. Deste ritual, a nossa compleição rosácea se torna. As veias afluem à tona. Em volta de nós, o ar vicia-se aquecido. Respiramos mais. Levantamos as pálpebras e olhamo-nos aos olhos. Vendo-te, sabendo em mim o que sinto, percepciono as subtilezas da tua respiração. Mantemo-nos sintonizados. Lançamos as mãos ao corpo um do outro. Afago-te o rosto com as costas da minha mão, centímetro a segundo, medindo o tempo das tuas feições. Calculas a distância que vai dos meus lábios até ao sulco da minha clavícula. Percorres-me por aí suavemente com um dedo, descaindo a minha cabeça um pouco em resposta. Permanecemos neste ritmo compassado, encadeando um diálogo discorrido a dois que enceta o conhecimento mútuo. Sei quem és; teu nome, tua pessoa, características díspares, teus recantos únicos, teus pontos vulneráveis, as tuas respostas exclusivas de prazer. Dou-te a conhecer quem sou, mente e corpo desnudado, desvelando regiões de pele às quais o toque anteriormente foi negado. Descubro contigo quão grande é a extensão de quem sou. Explorando-nos até à junção da perna com o pé pelo tornozelo, sentados frente a frente permanecemos. O desejo cresce forte em ti. Vejo isso patente. A mim, esse dito companheiro conhecido, humedece-me. Falha-me a voz, sabendo que ela não é precisa. Emudecida pela intensidade destas carícias, convido-te à tua vinda. Lisonjeado, aceitas batendo à porta com alguma timidez, entrando apenas centímetros escassos em mim. Ficamos, assim, pelos meios um do outro. Mesmo assim, já tenho tanto mais de ti em mim. Levo a mão ao teu lado esquerdo do peito na quinta vértebra aonde o bater do coração é mais perfeito. E, enquanto vais e vens, comprovo que aumenta-se-lhe a força. Tenho-te a ti, em mim, com o teu coração na minha mão. Sinto a tua vida agitando-se e acalmando-se numa sequência de tensões ritmadas. Ouço o diálogo do teu coração com a vida. Testemunho pela minha própria mão a intensidade do efeito do meu toque. Investigo, ensaiando toques e apelando aos meus sentidos, como nos experimentamos. Influenciamo-nos reciprocamente. Quando nos tocamos, os nossos corações agitam-se. A certo ponto, saímos naturalmente um do outro e fechando os olhos tento preservar a memória genuína destas sensações.

segunda-feira, novembro 02, 2009

Prazeres servidos à mesa

Naquela explanada, sentamo-nos na mesa com melhor vista sobre o mar. Os raios de sol projectavam-se ao longo de toda a extensão do mar. Pensei para mim, que final de tarde especial por contigo fruí-lo. Foram momentos singulares das rotinas solares, momentos únicos dos nossos estares. Estar junto a ti, olhando o areal, desejando-te tocar sem puder. Estares junto a mim, olhando o mar, querendo-me abraçar. Viajámos juntos nos trilhos ladrilhados a paixão. Aspirei mais do que ter a tua mão sobre a minha. À medida que o sol descia, elevavam-se estes meus desejos a ti dedicados. À beira-mar, confidenciámos em cochicho “quero-te” em uníssono. Embora, recíproco, a vontade não pertencia aquele espaço. Se assim não fosse, mal terminado aquele copo de vinho, ter-te-ia possuído estendida sobre o carvalho, servindo-te mais um copo de prazer à mesa.

domingo, novembro 01, 2009

Diálogos em vida

Sabe tão bem acariciar os teus sentidos, abocanhá-los com as palavras relativas aos nossos desejos correspondidos. Queria, tanto, manobrar as palavras numa expressão verbal facilmente compreendida do que significa para mim saber-te as formas do rosto e as expressões que elas tomam. Delicia-me sabe-las sem as ver, como as ver sabendo cada vez melhor as suas subtilezas. Reconforta-me escutar-te no silêncio das palavras que se quedam, quando envolvidos o sono nos aconchega. Adormecer, sabendo-te a meu lado, retempera-me. Pela manhã, desperto com a pressão dos teus lábios nos meus e os nossos corpos fundidos num enlaço. Interpretamos cenas com sentido. Envolvo-me no teu corpo perdendo a noção dos nossos limites. Entregamo-nos, sem fins nem inícios. Somos parte integrante um do outro. Embrenhados na saga dos sentidos, somos corpos infinitos. Acaricias-me de tal forma que o prazer corre sanguíneo. Quando gemo, confidencio-te o quão bem me amas. Compomos melodias em dueto, gemido a gemido. Percorres-me ao jeito do teu desejo. Discorres erotizada e profundamente à minha emoção com as tuas mãos. Conversamos com a nossa boca, mãos e língua demoradamente à pele um do outro. A curvatura da minha coluna acentua-se, as minhas pernas dobrando-se ligeiramente, quando tu, com um dedo, me percorres. Espasmódico, o meu corpo responde-te, aproximando-se. Tão perto de ti, encontro-te hirto; entramos um no outro, figurando numa tela desenhada a contornos. Movemos o prazer mais adentro de nós. E todo o esforço despendido no acto molha-me os membros, dizendo-me tu que a vida corre em nós.

Narrativa da tua Morte

Teço agora com o fio destas próximas palavras a mortalha que te aconchegará na tua morte. Demos os nossos rostos às privações e desejos que nos consumiam. Descobrimo-nos amantes à custa do álcool dissolvido na carência que em nós corria. Procurando aconchegos, beijei a amizade quando razão se desvanecia. Questionei-me, sistematicamente, sobre o que nos unia além de uma distracção do destino. Pensei que éramos engano sem futuro. Fomos fruto de um inicio forçado.
Deste inicio, germinou um trajecto ao longo de um tempo que fez história. Narrámos uma vida em função de duas mentes singulares adaptadas à existência individual de cada uma. Com os nossos dois pares de mãos cooperadoras, construímos uma semântica própria. Longe de mim, estive eu um dia de pensar o quanto alcançaríamos. Ganhámo-nos em resultado do esforço de nos tornarmos unos. Na persecução deste fim, continuadamente cedemo-nos. Partilhámos intimidades no leito do descanso dos nossos seres íntimos.
Procurei adentro de mim, escavando por entre as minhas entranhas, o sitio em que se alojava o meu sentimento. Soube-me acertadamente apaixonada. És-me marca indelével do meu ser. Da alegria de te ter amado, sobeja-me somente dor em resultado.
Penso em ti demasiadas vezes, permaneces parasitário da minha mente. Travo uma luta interna. Até à medula, sugas-me. Gostava de tomar o teu pescoço nas minhas mãos, apertá-lo, até sangrares dos teus olhos a minha asfixia. Nestes momentos, arrependo-me, latejo por dentro, só me apetecer elevar as mãos ao peito e ter um par extra para esconder a emoção que me transfigura o rosto ao percepcionar o teu desrespeito. Sinto asco na boca da tua boca, o meu estômago contorce-se nauseado, vomito sem alivio. Neste processo de te odiar, mato-te um pouco. Ao reconhecer legitimidade a estas emoções, aquieto-me. Calma, desejo que recolhas, a partir das memórias que tens de mim, os despojos da mulher que fui. Reconstrói-me à semelhança da minha primeira imagem. Se ainda te lembrares, mesmo que vagamente, compreenderás que progressivamente fui-me tornando contigo sombra do que era.
Da vontade de te ter, meu amigo, ainda mais me mataste. Parto do quase nada, sem a tua ajuda, ainda mais danificada. Como se não me bastassem os prejuízos infligidos no meu ser mulher, atacaste-me o meu ser pessoa. Enveredo, hoje, por um processo reconstrutivo da minha existência. Sem sombra de ti. Nunca mais far-te-ei viver nos versos dos meus poemas, nas linhas dos meus textos, nas palavras que escrevo, nas sílabas que professo. Nada me surge de suficientemente bom e forte para servir de substrato a mais uma explanação literária de mim no papel quando penso em ti. Sobre nós, não existe mais história.