sábado, janeiro 09, 2010

Não

“Queres te encontrar comigo?” – pergunta-me ele casualmente. Nessa frase curta, o predicativo do sujeito é foda. A intenção é notória ainda que camuflada. Se não te soubesse tão bem, se entre nós não houvesse caso, talvez interpretasse de outra forma. Não há espaço para outras leituras, os desejos eclipsam-se deliberadamente nos arquivos dessas antigas histórias. Tirá-los para fora, tirar-to para fora, é excitar as minhas alergias ao pó. Não quero beijos sabidos a naftalina. Registo a vontade, tomo conhecimento sem que isso me altere um milímetro o humor ou a vontade. Não te quero. No entanto, prossegues com o teu discurso “vem ter comigo cá a casa”, discorrendo em contra-resposta que “nada irá acontecer se não quiseres, se bem que aposte que vai”. Não sou uma entrega de foda ao domicílio. Como um vendedor determinado a impingir as qualidades do seu produto, verbalizas “eu sei que nos vemos pouco, são circunstâncias da vida, mas eu quero-te a ti e não o teu sexo”. Atentas à minha diplomacia e, ainda assim, controlo-me. Se assim o quisesse, se assim te quisesse, por entre os teus lençóis poderia eu ser puta. Por só obedecer à minha ordem interna, vais ter que te consolar sozinho. Não parto para te encontrar teso sem sentir as coxas apertadas pela eminência de te rever. Na ausência disso desperdiço-me em ir ter contigo.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Traços de branco pó

Poéticos traços de pó cristalizando-se na minha rede neural; doses de ti. Suspensões coloidais, pó cerebral. Espuma branca na qual embarco. Erguem-se vagas à minha barquinha, na qual sento-me sozinha, tomando de ti. A vaga cerebral coça-me o dedo no qual te lambo. Salivação, a barquinha na qual andas sozinho da minha salvação. Navegamos intercalados. Ora eu ora tu, um no outro; unidos na inspiração daquele que entesa pela aspiração. Nessa barquinha branca diluída somos passageiros. Rumámos nos traços que sem remos nos rumam. Desenho a pó o meu desejo à forma dos teus traços. Vontades do tamanho dessas vagas monumentais que nos sacodem o corpo! Batidos de amora. Aspirando fragrâncias do bosque, busco-te na cálida folhagem dessa palhinha pela qual te aspiro. Bebo dos riscos impressos no céu à tua vinda. Mergulhos sincronizados. Nos sucos silvestres aguados, boiamos; nossos corpos suspensos, um sobre outro. Tua boca pendura-se na minha e vejo a saliva nos teus lábios chamando a minha. Elações. Acima de mim, estou sobre ti. Tomo a tua boca nos meus lábios, roçando-os, molhando-os, tomando-os para mim, enquanto lhes imprimo o meu húmido desejo de te ter. Com o meu beijo digo-te, inúmeras e repetidas vezes, quero-te; contigo aconchegado no meu regaço, somos amantes cujo desespero toma para si. Brancas mãos, larga tesão. Nesse traço branco que ambos damos, somos espuma branca no corpo iluminado a desejos. No meu beijo - a paixão que se delonga pelos esconderijos do teu corpo-, abrigo-me e desejo-me me vir enquanto os efeitos da espuma branca perduram. Nessa queda livre por entre o pálido horizonte venho-me rosácea e completa.