domingo, março 04, 2007

Sujeita a Vontades de Outrém

Apareces sem anunciar a tua vinda na calada da noite. O silêncio completo quebra-se com as tuas estridentes pancadas na porta, elevando o meu estado adormecido a semiconsciente. Vagarosamente, o processo reconstrutivo da minha percepção vai se dando até ao ponto em que acordada o suficiente me apercebo que o barulho vem de ti. Quem outro poderia vir deliberadamente me negar o descanso, desassossegar-me o entendimento, antecipando a minha fome matutina. Sorte a tua que o caminho é curto apesar dos meus passos demorados no tempo, que em nada se comparam ao atrasado medido em semanas da tua chegada. Confirmo o que já sei ao olhar pelo óculo; és tu, pessoa responsável pelos meus oscilares de humor contrastantes, que parece que só me ama o corpo quando quer, acrescendo intensidade à solidão com que vivia antes de nos conhecermos. Abro a porta com uma diligência que visa a manutenção do descanso dos vizinhos. Mal a porta range começas a disparatar queixas murmuradas no escuro do corredor de luzes apagadas. Declarações sobre demoras. Nem ponta de desculpa. Acordas-me para discutir e me amar depois. Quero te falar nas expectativas que se geram à partida em qualquer relacionamento interpessoal e da necessidade que todas nós temos de nos sentirmos desejadas por quem desejamos e, caso me deixes iniciar os meus desabafos, falar-te de cedências e sacrifícios por maiores ganhos. Merda. Sinto-me zangada comigo mesmo por ter afrouxado os muros que edificavam a segurança do meu intimo para a tua entrada, já que a tua estadia me magoa mais do que é suposto alguém um dia sofrer. Estou-me a despersonalizar à custa das malhas que teces de manipulação. Se não soubesse que te recentes com os meus silêncios diurnos derivados das ocupações que me preenchem os dias, diria que eras para mim aquela queca mensal que me vem tirar do atraso. Um segundo período menstrual. Certo é saber que rumamos a um futuro incerto. E, antes que me toques, quero deixar assente que o que ganho não sustenta as despesas extras com curas emocionais. Amor, sabe tão bem estar contigo quando permanecemos o tempo necessário calados para não nos debatermos em confrontos verbais desgastantes das nossas mentes ávidas por aconchegos. Quando o amor contamina a carne, o prazer dissemina-se aos recantos negligenciados por outras carícias físicas. Satisfazes-me tanto quando vens e reconhecendo tal divido-me entre as cissões e perpetuações de uma incerteza que me prejudica a saúde.

1 Comments:

At 10:56 da tarde, Blogger shakermaker said...

Ora viva!

Talvez não fosse má ideia colocar trancas na porta, já que no coração parece-me, por enquanto, impossível.
Este blog é muito bom e estranho vê-lo assim com tão poucos comentários.
Por outro lado, prefiro assim, como que um prazer de poucos.
Mas atentos, como eu.

Um abraço...
shakermaker

 

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