segunda-feira, maio 22, 2006

Pele do Papel

Olho-te demoradamente a vista cansada por nela já ter tido imprimidas tantas letras. Foram páginas e páginas infindáveis roles de páginas sobre as quais hoje te debruçaste. Manifestações da língua viva escrita a tinta ao longo das linhas imaginárias das folhas brancas. Orações não tuas. Ideias de outrém. Composições que a ti não te pertencem. Nem a mim. À minha pessoa cabe a execução das obras ligeiramente poéticas de quem escreve prosa em verso, desrepeita as regras postuladas, que feitas foram para serem rompidas,uma escrita ordenada que nego. Livros meus em que a minha letra figura ao lado tua, díspares formas das síbalas que compõem palavras em harmonia. Caótica sintaxe equilibrada pelo savoir faire de quem ama o que fala. Falas que sussuras ao meu corpo, presentes disdáslicas indicadoras das trocas do meu corpo com o teu. Dramaturgos. Teatros sem guiões. Frases deixadas à criativadade singular, tão propria de cada um, tão peculiares quando aglutinadas. Assim apresentamo-nos nós ao mundo; diferentes do banal livro encadernado a mal gosto, encerrando ideias de mentes pobres, que a nenhum lado nos levam, a nenhuma dimensão nos reportam. Exactamente o mesmo. Apartamo-nos repetidamente deste mundo deslavado pela escassez de envolvência linguística tipíca dos corpos que contra argumentam. Diálogos, dialectos corpóreos, argumentações feitas sobre a pele. Pega no lápis que jaz solitário sobre as resmas dispostas sobre a mesa; rabisca-me ao sabor das abstrações diárias. Foge em mim, teu papel submisso à tua letra. Só tu em mim duras. Vem escrever comigo que as inspirações são pobres aquando da tua falta. Verbos transitivos incompletos sem os seus completos. Conjugações que se pretendem elevadas a verbo nos indicativos do presente. Abre-me e lê-me com a mesma devoção com que estudas. Leituras que só as pálpebras fechadas sobre os olhos conseguem perceber. Vistas que se perdem para as caricias textuais de frases que nunca antes foram tão reais quando escritas noutros papéis. Vem escrever comigo, somos devotos da língua; das nossas que se perdem uma na outra enquanto deslizam suavemente pelas suas húmidas texturas.