domingo, abril 16, 2006

Ao Som De Um Cigarro

Sentado a um canto um cigarro fuma-me indiscreto. Longos travos de puro descaramento que me fintam os dedos nos cantos das esperas. Permaneço inalterado sentado recto susceptivel aos efeitos do peso das demoras. Desprezível dor no corpo quando posta em confronto com o meu pesar de não te ver os olhos por estarem cobertos pelas palpebras dos teus doces repousos. Antogónicas posturas. Continuo eu aqui tapado pelo obscuro de uma hora que já se fez tarde há muito a par dos teus sonos sucessivos que a ausência dos ruídos nocturnos não perturba. Indolência que te sugou a vida deixando apenas a inércia de um corpo suado jogado pela cama dessarumada como o cansaço que nos tomou e te derrubou. Saio de mim. Observo-me de fora enquandrando-me no centro de uma objectiva segura pelas mãos de terceiros. Espectadores da beleza derramada sob as paletas dos fluídos que de nós se sirvaram como nascente quais sorvámos em sofregos golos de querer saciar os desejos, saturados pelos prazeres que nos inebriaram os sentidos. Vêm-me homem irrequieto sujeito aos azuis ténues que rompem a neblina de uma noite passada em claro. Alumiadores raios de sentimentos já acessos brevemente apagados sem se extinguir. Desejos imortais impregandos ao longo dos traços do meu rosto. Dispo-te com os olhos o corpo teu que sei não ser meu. Este cigarro fuma-me como estes sentimentos me tomam em bafos curtos de fazer perdurar o prazer. Queimo-me e largo a tua silhueta; é tempo de-o resumir a mais uma beata num cinzeiro apagado. Neste gesto sinto o dia a levantar, a tua vida a te retornar, o teu sono a levantar. Acordas e eu também.